Segundo dados da Unesco, a 3º causa de morte de brasileiros é provocada por armas
Nas dunas de Cabo Frio, Miguel Souza, empresário residente em Brasília, foi vítima de um assalto a mão armada. Souza, que viajava de férias com sua namorada, teve o carro roubado durante um passeio no final da tarde. Apesar de possuir uma arma de fogo ele não teve como se defender, pois ela fica guardada em sua casa. “Uma reação a uma pessoa armada é super perigoso”, afirmou Souza. A questão das armas é de repercussão nacional. O direito a legítima defesa foi votado no referendo de 2005. E agora o que se discute é o recadastramento. “Não basta ter uma arma, tem que saber usar”, completou Souza.
A lei 10.826, redigida em 22 de dezembro 2003, dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição. Logo após, em 2004, o Estatuto do Desarmamento foi aprovado. Em um ato legislativo, o governo tomou a decisão de proibir a comercialização de armas de fogo em todo o território nacional, salvo para algumas entidades. A medida precisava da ratificação de um referendo para entrar em vigor. No dia 23 de outubro de 2005, a consulta popular foi feita. Sessenta e cinco milhões de brasileiros decidiram que o direito de ter uma arma devia permanecer. As pessoas que compraram armas antes do ano de 2004 devem recadastrar suas armas, pois com o Estatuto do Desarmamento elas perderam o registro.
O recadastramento é essencial para a Polícia Federal (PF) identificar as principais vias de desvios de armas que acontecem dentro do Brasil, dificultando assim o acesso de criminoso às armas de fogo. Permite também a identificação das armas roubadas e crimes cometidos com essas armas, caso o dono tenha feito um boletim de ocorrência do roubo. O recadastramento é obrigatório. As armas que não forem devidamente recadastradas se tornarão ilegais. De acordo com o Estatuto do Desarmamento, os proprietários que não recadastrarem suas armas de fogo poderão ser punidos. A pena do porte ilegal de armas é de até três anos de prisão.
O Certificado de Registro de Arma de Fogo é expedido pela PF com prévia autorização do SINARM (Sistema Nacional de Armas) e deverá ser renovado a cada cinco anos (antes era de três em três anos). A lei assegura o direito à indenização na devolução da arma, pagando a quem entregá-la uma quantia que varia de R$ 100 a R$ 300. Os moradores de umas das favelas do Rio de Janeiro se depararam com a seguinte frase na entrada do morro: “Não seja bobo, o morro paga em dobro”.
Conforme a PF, até o dia 31 de dezembro de 2008, 400 mil armas foram recadastradas no Brasil. O prazo de recadastramento foi estendido até o dia 31 de dezembro de 2009. Em benefício às pessoas de baixa renda, o governo isentou o pagamento da taxa de cadastramento. “A taxa era abusiva. O sitiante que precisa da arma para sua defesa contra animais selvagens não tinha condições de pagar, ficava então na ilegalidade”, afirmou Ana Monteiro, jornalista do Movimento Viva Brasil.
Segundo a ONG Viva Rio, estima-se que 17 milhões de armas estariam em circulação no Brasil. Dessas armas 49% são legalizadas, ou seja, registradas. O recadastramento de armas de fogo é um instrumento de suma importância para a PF. Dessa forma a PF poderá ter o controle de todas as armas que circulam no Brasil, tanto com civis como com policiais, magistrados e empresas de segurança. “Você tem um conhecimento do arsenal de armas do Brasil e os locais que elas são distribuídas”, disse o delegado da PF, Daniel Sampaio.
De acordo com a Rede Desarma Brasil, os primeiros movimentos pró-desarmamento no país surgiram em 1997, e nessa mesma época, 80% dos crimes eram cometidos com armas de fogo. Conforme dados da ONG Viva Rio, a nova lei já salvou mais de 5.000 mil vidas nos últimos 5 anos. A campanha do desarmamento, em 2005, foi fundamental para convencer os brasileiros a entregar voluntariamente meio milhão de armas.
O estudo realizado pelo IBOPE Opinião /2006 para a ONG Viva Brasil aponta que a maioria dos brasileiros não sabia que os proprietários de armas de fogo deveriam renovar seu registro até 22 de dezembro de 2006. A pesquisa mostra, também, que 51% dos brasileiros acredita que o governo não divulgou bem a lei para os proprietários não renovarem os registros e se tornarem ilegais.
Um estudo da Unesco (Organização da Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) revela que 21,72 óbitos em cada grupo de 100 mil habitantes é a taxa de mortalidade por arma de fogo no país. Essa taxa ,comparada com a de outros países, é alta. De acordo com a OMS (Organização Mundial da Saúde), o Brasil é o 2º no ranking de mortes por armas de fogo perdendo apenas para a Venezuela.
De acordo com o estudo “Mortes Matadas por Armas de Fogo no Brasil 1979-2003”, realizado pela Unesco, na última década morreram 325.551 brasileiros. Um policial civil, que não quis se identificar, disse que o cidadão que porta uma arma de fogo ,muitas vezes, diminui seu grau de tolerância e acaba matando por motivos considerados banais.
Para Cátia Vasconcelos, assessora parlamentar da ANIAM (Associação Nacional da Indústria de Armas e Munições), não é preciso que o cidadão tenha uma arma de fogo quando se quer cometer um crime. Segundo a ANIAM, cerca de 14 milhões de brasileiros possuem armas de fogo adquiridas legalmente. No Brasil, 3 mil lojas que comercializam armas de fogo e munições participam da campanha do recadastramento de armas. Em um convênio entre a ANIAM e a PF, um formulário eletrônico para registro também está disponível no site da associação.
A expressão “bancada da bala” apareceu em meados do ano 2000, inspirada pela “bancada da bola” que colocou em evidência a estreita relação entre parlamentares e interesses privados. A “bancada da bala” é um grupo de parlamentares contrário ao desarmamento. Deputados como: Pompeo de Matos (PDT-RS) e Alberto Fraga (PFL-DF) são deputados eleitos com contribuições financeiras ,dentre elas, a da indústria de armas.
O projeto de lei nº 705, de 1999, proíbe a inserção de propagandas de armas de fogo na mídia escrita e televisiva e dá outras providências. Natália Bichuete, 18 anos, foi eleita Miss Tocantins 2009. Logo após o concurso realizado no estado, a vencedora ,que participa do clube do tiro, declarou a revista Veja que seu hobby é caçar e pescar. Na semana seguinte, Bichuete foi convidada para ser a” Musa do Recadastramento”. Em Brasília, a Miss Tocantins conheceu o Congresso Nacional e visitou gabinetes de vários parlamentares. “Acho importante que todos possam ter uma arma. É para segurança. Imagine se o ladrão tem a certeza que ninguém tem arma em casa”, disse Bichuete.
O delegado da Polícia Federal, Daniel Sampaio, falou que só podemos verificar e controlar a incidência de arma clandestina no país com a eficiência do trabalho da polícia ao longo da fronteira.
Segundo o Departamento de Homicídios da Polícia Civil de São Paulo, em 97,2% dos assassinatos desvendados pela polícia em 2000, o criminoso conhecia a vítima. Conforme números da Datasus, 63,9% dos homicídios cometidos no Brasil são praticados com arma de fogo. Uma pesquisa da Secretaria Estadual de Segurança Pública revela que 72% das armas usadas em crimes entre 1999 e 2005 no Rio de Janeiro pertenciam a cidadãos de bem. Essas armas migraram da legalidade para a ilegalidade.
Ao observar os sites de ONGs que apóiam o desarmamento percebe-se a convicção de que, dificultando a compra e o porte de armas, você reduz os crimes passionais. Por outro lado, os sites pró-armamento dizem que a proibição de possuir uma arma de fogo restringe a liberdade do cidadão.
Histórias trágicas de pessoas que compraram armas para se defender e acabaram virando vítimas foram, muitas vezes, divulgadas na mídia. O manejo adequado da arma é essencial para evitar acidentes. A polícia orienta o cidadão a não andar armado e não reagir em casos de assaltos.
Na Suíça, como não existe formação de exército no país, cada cidadão possui uma arma longa e uma curta em casa. Mesmo assim, podemos verificar que o índice de morte por arma de fogo é muito baixo. Segundo um ranking da Unesco, realizado em 2002, foram 34 mortes por arma em cada cem mil habitantes na Venezuela. O país lidera a lista.
De acordo com dados da ONU (Organização das Nações Unidas) e da ONG Viva Brasil, observa-se que nos Estados Unidos da América (EUA) , onde a venda de armas é liberada, as taxas de homicídios são maiores do que em países como Japão e Inglaterra, onde a venda é proibida.
Na Câmara dos Deputados estão sendo analisados 20 projetos de lei ampliando o rol das categorias que tem direito de portar uma arma de fogo. Esses projetos podem alterar o Estatuto do Desarmamento. Atualmente, o porte de armas é permitido apenas para policiais, entidades esportivas que disputam competições de tiro, empresas de segurança e Forças Armadas.
Segundo uma pesquisa realizada pela ONG Viva Brasil, a eficácia do desarmamento é duvidosa. Nos EUA, 52% das residências possuem arma de fogo e o índice de homicídios é 6% por 100 mil habitantes. No Brasil, apenas 3,5% das casas brasileiras possuem armas e o mesmo índice de homicídios é de 27%. “Todos os governantes totalitários do mundo, quando querem dominar uma nação ,o primeiro ato é desarmar os cidadãos”, afirmou a assessora parlamentar da ANIAM.
ONGs como o Instituto Sou da Paz implementam projetos sociais em regiões afetadas pela violência e ajudam na diminuição da criminalidade.”É preciso resolver o problema da segurança como um todo, um problema que tem muitas causas, principalmente sociais”, disse Renan Calheiros em uma entrevista concedida a revista Caros Amigos (outubro de 2005).
Deputado Sandro Mabel,presidente da Câmara dos Deputados Michel Temer, Natália Bichuete e Salésio Nuhs(ANIAM)